segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

6h40, 6h45

Tadeu Costa




O ônibus não passa na hora marcada.
Já estou esperando há um bom tempo!
6h40
6h45
Nunca chega na hora, por isso sempre vem desconto no meu cartão de ponto.
Explicar isso no Departamento de Pessoal exige uma habilidade que não domino muito. Falar para a Cristina da minha preguiça em acordar e sair para trabalhar...
E fico apreciando aquele sorriso lindo, os cabelos encaracolados...
Fernando, outra vez bateu o cartão atrasado?!
Você será descontado, agora o patrão exige o horário certo.
Mas o que importa o desconto se os minutos de sono proporcionam mais benefícios ao meu dia de trabalho do que esses míseros $ 29,30?! Apesar de dar para fazer muita coisa com esse dinheiro. Minha mãe compra carne para a semana inteira, por exemplo. Não vou ficar arrependido e nem com a consciência pesada. O problema é que essa cidade é muito pequena dentro de uma cidade menor ainda, que são essas pessoas medíocres vigiando o que todo mundo faz.
Hoje acordei com uma dor no ombro, deve ser o colchão, chego a sentir as ripas do estrado, são mais ou menos dez, doze, fora a que está quebrada. Trabalho há tanto tempo naquela fábrica, bem que poderia ganhar um aumento para comprar um colchão e um bom rádio.

Saio correndo feito louco...
Vejo ônibus quase no ponto...
Opa! A falta de exercício físico faz diferença nessas horas da manhã.
Sinal fechou, vai dar tempo.
Vou contar com a boa vontade do motorista, ele vai abrir a porta.
O sinal abriu!
Putz!
....
Perdi o ônibus das 6h45 pela terceira vez na semana...
A calçada é feita de cimento batido e irregular, que cria desnível, ocasionando instabilidade na hora de andar. Isso provoca tropeços quando se pisa errado. Quase torci o pé. Fiquei parado um tempo no ponto, pensando no que fazer.
Daí a pouco recebo um “bom dia!”.
Era o sr. Alfredo, com os passos largos de exemplar funcionário.
Alfredo é conhecido por fazer tudo no seu tempo. Acorda cedo para caminhar até o trabalho, e a empresa fica na Vila Minalda, muito longe. Como ele consegue sendo muito mais velho do que eu...?!
Amanhã vou fazer como ele: acordar cedo, tomar café e sair. Sem ficar enrolando. E vou fazer melhor: antes de dormir, vou deixar minha roupa separada, pronta, no esquema, para acordar, vestir e sair. Minha blusa branca que ganhei da tia Maria no meu aniversário, a calça jeans e o tênis kichute preto. 
Pronto, agora vou dormir tranquilo.
Escuto uma batida constante na porta, levanto correndo para atender e não acordar os meus pais. Olho pelas frestas das persianas e vejo Cláudia, minha prima, ansiosa para falar. Pediu ajuda para levar o tio Roberto ao hospital. Teve uma convulsão, saímos correndo eu, meus pais e Cláudia.
Não existe coisa melhor do que o cheiro do café da manhã.
Tchau, mãe, tchau, pai!
Bom dia!
Paguei a passagem, recebi o troco e procurei um lugar para sentar.
Olá, dona Glorinha, como vai, tudo bem?
Fernando, nunca te vi essa hora no ônibus! Você está trabalhando?
Sim, na fábrica de tecido.
O que você faz?
Eu trabalho na cozinha preparando a tinta para impressão dos tecidos.

No primeiro dia não prestei atenção em um dos produtos, que se chama amônia, e fui retirá-lo com o rosto na frente do pote. O cheiro era tão forte que caí para trás. Todo mundo riu. Isso sempre acontece com os novatos. Particularmente não achei boa a brincadeira, são baldes grandes. Derramou no chão, era parte da receita da tinta que estava preparando. Ainda bem que o chefe não viu. Meu sonho é trabalhar na sala de desenho. Lá deve ser muito bom; sei desenhar e acho que já é o suficiente para fazer um teste. A equipe que trabalha no setor fala que o chefe exige um traço firme.
Aguarde, meu filho, vai chegar a hora, disse dona Glorinha, e desceu do ônibus.
Chegar a hora. Pensei nessa frase o dia inteiro...


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